quinta-feira, 2 de abril de 2009

De ratos e homens


Tomei emprestado de John Steinbeck o título de seu livro de 1937, Of Mice and Men, em que enfoca situações na outra grande crise americana. Imaginando que os fatos sequenciais da história estivessem contidos num grande rolo de papel e que fôssemos, com cuidado, desenrolando-o, iríamos redescobrindo num aclaramento surpreendente situações que nos põem face a face com verdades estarrecedoras diante da capacidade do homem de produzir, muitas vezes, com requintes supremos, fatos indignos mesmo daqueles que são talvez um dos animais mais peçonhentos, transmissores da leptospirose, doença fatal ao homem. Ao contrário dos ratos, que parem quatro vezes ao ano, o País pare políticos a cada quatro anos, mas são centenas de uma só vez!

Desvendando, aos poucos e com certo temor, o grande rolo, vamos descobrindo a incontrolável tendência do homem de soltar as amarras da economia. A gastança é essencial. É como quem fica preso no trânsito: quando se vê livre, a tendência natural é acelerar. Deu-se então no mundo, depois da crise de 1929 e do despertar da paz, no final da 2ª Guerra Mundial, a largada para a grande farra do consumismo, facilitado de forma irresponsável e alavancado pela avalanche da publicidade, essa nova atividade inventada pelo homem, que com grande competência criou a ciência da enganação.

Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem ao seu lado. No entanto, acredite, quase morreu de bronquite. Salvou-o o Rum Creosotado. Essa gracinha, quase ingênua, veiculada nos bondes nos anos 30, já era produto da nova ciência.

Se Steinbeck ainda estivesse por aqui, veria que o título de seu belo livro teria muito mais sentido nos dias presentes. Seu país está encolhido, até envergonhado. E o mundo atrás, descobrindo que os alicerces da casa estavam mal construídos, depois que ela caiu.

Steinbeck, como as boas cabeças americanas, deveria estar perfilado com a eleição do primeiro negro na presidência de seu país. Mas veria com preocupação o azedo abacaxi que o novo presidente herdou. Obama se vê na contingência ingrata de ser um presidente tapa-buraco.

Os bancos vivem de uma matéria-prima chamada papel. Esses papéis têm diferentes significados e diferentes aptidões. Podem possibilitar iniciativas ímpares, visando à melhoria da vida das pessoas: possibilitando descobertas científicas, o desenvolvimento das culturas, encontrar formas de amenizar sofrimentos, um atendimento eficiente às populações marginalizadas, iniciativas urgentes de salvação da natureza nesta terra de indescritíveis belezas, constantemente destruídas pelo homem que a recebeu de mão beijada. Obama se compromete a desenraizar essa política retrógrada de seu antecessor com relação ao gravíssimo problema do clima no mundo. As geleiras no Polo Sul estão derretendo, a Amazônia continua a ser assassinada, as regiões secas ficarão inabitáveis, as pessoas e, sobretudo, as crianças dessas regiões estão condenadas a um futuro de desesperanças.

Os americanos e o mundo todo acompanham as falas de Obama, com sua maneira peculiar de girar a cabeça para a direita e para a esquerda, o queixo ligeiramente erguido, numa elegância subliminarmente autossuficiente, passando a uma plateia invisível a esperança de dias melhores.

De ratos e homens. Como andamos por aqui? Na parte baixa do rolo, espaço secundário, podemos acompanhar, num volume crescente, colunistas de jornais e revistas, com mais coragem, desancando nossos formidáveis políticos, politiqueiros, politicalhos e suas vergonhosas aventuras. Vale a pena, neste momento, lembrar os verdadeiros significados da palavra política, explicados no velho Aurélio.

Política: ciência dos fenômenos referentes ao Estado; sistema de regras respeitantes à direção dos negócios públicos; arte de bem governar os povos; conjunto de objetivos determinantes em programas de ação, condicionando sua execução; princípio doutrinário que caracteriza a estrutura constitucional do Estado; posição ideológica a respeito dos fins do Estado; atividade exercida na disputa dos cargos de governo e ou no proselitismo partidário; civilidade, cortesia; habilidade no trato das relações humanas, com vista à obtenção dos resultados desejados; astúcia, ardil, artifício, esperteza.

Está tudo explicado: a grande maioria dos políticos brasileiros só leu as últimas premissas! Autoconvenceram-se incontinente e fizeram dessas palavras o seu dogma, sua fórmula irrestrita de governar ou legislar impunemente.

A grande descoberta: o grande responsável por essa desgraça nacional é o senhor Aurélio. Ele propiciou o desenvolvimento ilimitado dessa raça, imune a qualquer veneno.

São livres de ratoeiras, sabem escamotear como ninguém, passando ao largo das iscas, constroem castelos, ludibriam o Fisco, se locupletam, legislam em proveito próprio com grande astúcia e uma dose danada de esperteza. Parceiros frequentes dos chamados paraísos fiscais. Parece que o poder é irmão xifópago da corrupção, ou seja, decomposição, devassidão, depravação, perversão, putrefação. Quer mais?

De ratos e homens. Ou de homens ratos.

Há um velho ditado popular italiano que diz: Quando a neve derrete, aparece o cocô. Por aqui não há neve, o cocô está na cara. O rolo de papel, neste momento, está sujo. Os bons políticos me entenderão. Juntos, devemos aprimorar a democracia.

O poeminha de poeta desconhecido termina assim: Sinto a emanação do amor / na terra serena / dos campos verdes / das ravinas floridas / dos animais mansos...

Texto de Rodolfo Nanni, cineasta, é sócio-diretor de Akron Filmes E-mail: akron1@terra.com.br Site: www.rodolfonanni.com.br

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