domingo, 30 de agosto de 2009

Entrevista sobre divulgação de ciência


"Texto de Carlos Fiolhais - Físico Português"

Ao organizar os meus arquivos encontrei esta entrevista que, nos anos 90, dei a Rui Trindade para uma revista de telecomunicações. Editei-a só ligeiramente porque me parece manter ainda, no essencial, atualidade:

P- Quais as formas e métodos que julga mais adequadas para obter uma divulgação mais eficaz da ciência?
R- A ciência trata de descrever o mundo à nossa volta. Parece claro que esse é um tema de interesse geral: por exemplo, quem não gosta de saber o que existe para além da Terra e do sistema solar, o nosso canto no imenso Universo? A divulgação científica, sob qualquer forma, deve alimentar esse espírito de curiosidade que é próprio dos seres humanos, deve acentuar o sentido do maravilhoso (“Que estranho! Que bonito!”) e deve acentuar aquilo que é simples (“Isso eu sei!”). As formas podem ser as mais variadas: imprensa, televisão, museus, etc. Entre os métodos conhecidos para obter os resultados pretendidos encontram-se os relatos do quotidiano, as experiências concretas, as analogias e ilustrações, a literatura e a história, o humor, etc. Cabe ao divulgador divulgar como puder e o melhor que puder.

P- Qual é a relação entre os cientistas e os meios de comunicação social? Como enfrentar as políticas editoriais que filtram os temas a divulgar?
R- Os cientistas devem estar abertos aos órgãos de comunicação social. Eles são parte da sociedade e esta tem o direito de saber o que eles fazem. Em particular, os cientistas não podem gastar dinheiros públicos sem ser responsabilizados por essa utilização. Tem de prestar contas e falar com os media é uma forma de prestar contas. Já ouvi um jornalista português queixar-se que era mais fácil contactar com um cientista americano do que com os cientistas portuguesas. Isto significa que a disponibilidade dos praticantes nacionais de ciência para com os média deixa ainda, infelizmente, a desejar. Quanto às políticas editoriais, elas são da responsabilidade dos profissionais da informação. Quer concordemos ou não, são critérios legítimos de um ofício bem estabelecido, que têm de ser aceites como as regras do jogo. Por exemplo, existem temas da atualidade ou da moda em ciência e na respectiva divulgação tal como existem noutras atividades humanas. Não há mal nenhum nisso. O pior pode, porém, acontecer quando o jornalista que escreve sobre ciência se arvora em fazer crítica de ciência com a mesma facilidade com que, por exemplo, alguns críticos fazem crítica de cinema ou de televisão. A ciência não está, evidentemente, ao abrigo da crítica, ela aliás progride através da crítica, mas é necessária alguma competência para a exercitar.

P- Considera o discurso científico esotérico? Acha a vulgarização científica uma banalização da ciência?
R- De fato, o discurso científico não é, à partida, acessível a qualquer pessoa. Exige uma tarefa penosa de aprendizagem da linguagem científica (a linguagem do mundo natural é a matemática e contra isso não há nada a fazer). Agora, o essencial da ciência - o maravilhoso, a simples - podem e devem ser comunicados ao grande público. Para isso é necessária fazer uma adequada descodificação de conteúdos. Pode-se tentar descrever, por exemplo, o modo como as pedras caem sem escrever as equações do movimento. E não é maravilhoso e ao mesmo tempo simples que todas as pedras caiam na vertical para baixo? Porque é que não hão-de cair para o lado? Divulgar ou vulgarizar a lei da gravitação universal pode começar com estas perguntas.

P- Acha os discursos científico e jornalístico incompatíveis?
R- Prefiro dizer que são diferentes. Um artigo para uma revista científica tem uma avaliação bastante diferente da de um artigo num jornal e um seminário científico pouco ou nada tem a ver com um programa de televisão. No entanto. ambos os discursos contêm mensagens dirigidas a destinatários, em número relativamente reduzido num caso e em grande número no outro. Alguns cientistas já aprenderam e outros têm ainda a aprender algumas técnicas do bom jornalismo: isto é, os melhores modos para transmitir uma mensagem com verdade e rigor. Digo bom jornalismo pois do outro, sensacionalista e trapalhão, nem vale a pena falar. Os divulgadores científicos tentam vestir os conteúdos com uma roupagem mais acessível para chegar a mais gente: procuram respeitar a verdade e assegurar o rigor tanto quanto for possível.

P- Qual é a importância dos investigadores para colmatar as lacunas no sistema de ensino nacional?
R- A escola desempenha um papel insubstituível na comunicação da ciência. Apesar de todas as lacunas de que nos podemos queixar – e nós em Portugal bem podemos - a escola tem desempenhado o seu papel. Importa, para que a sua eficácia seja maior, que a escola não esteja isolada: deve ligar-se mais ao mundo e à vida. Por exemplo, porque não usar na escola os textos e imagens de divulgação científica dos jornais e da televisão? Respondendo em concreto à pergunta: As escolas básicas e secundárias deviam ligar-se mais às escolas superiores. Nos EUA algumas universidades organizam “academias” informais para professores do ensino básico e secundário, disponibilizam professores para acompanhar, presencialmente ou à distância, experiências realizadas por grupos estudantis, etc. Ajudam a transmitir o método científico. As lacunas nos sistemas de ensino, aqui ou lá fora, são bem mais graves quando dizem respeito aos métodos do que quando dizem respeito aos conteúdos. A ciência é uma maneira de ver o mundo antes de ser uma visão do mundo.

P- Qual é o papel das novas tecnologias da informação na divulgação científica?
R- Elas oferecem novas possibilidades que há que avaliar. Os computadores, em particular, permitem fazer simulações computacionais: fazem-se cópias mais ou menos parecidas da realidade e vê-se como funcionam. Ou, então, fazem-se cópias pouco parecidas e ver como seria o mundo se não fosse como é. Isto é, vê-se que o mundo não poderia ser assim. As técnicas de multimédia, realidade virtual, etc. vieram estender as possibilidades do ensino e da divulgação da ciência. Na realidade virtual, passa-se esta coisa extraordinária: entra o imaginador dentro da coisa imaginada... Ou, pelo menos, julga que entra. Ora aqui está um domínio onde a divulgação da ciência pode aprender com os jogos de computador e o cinema.

De Rerum Natura

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