quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A Desoneração da Folha e a Reforma Previdenciária


1- Princípios Tributários

Todos nós sabemos que o Estado precisa de dinheiro para pagar suas contas, e a principal fonte de recursos para efetuar despesas são os impostos.

Nesse sentido, nós que fizemos parte do Estado, ao decidirmos tributar a nós mesmos, estamos decidindo sobre a maneira pelas quais os recursos exigidos para atender às necessidades sociais serão retirados de todas as nossas famílias e das empresas que possuímos, e destinados a bens e serviços públicos.

É pensamento constante que os tributos deveriam impor o menor custo possível à sociedade e que o ônus dos mesmos deveria ser distribuído da maneira mais igualitária, ou seja, o sistema tributário deveria ser tanto eficiente quanto eqüitativo.

Por ouro lado, o peso da carga tributária não deve ser impeditivo ao desenvolvimento social e econômico, portanto, deve ser compatível com as riquezas produzidas em uma sociedade.

Não há no mundo civilizado critérios objetivos para estabelecer quando uma tributação está ou não “de bom tamanho”, ou seja, compatível com as necessidades da população e a quantidade dos serviços prestados pelo Estado.

Se compararmos com alguns países, conforme estudo da Secretaria da Receita Federal do Brasil, com dados de 2008, verificamos que, enquanto o Brasil tem uma carga tributária de 34,4%, alguns países têm carga menor, como o Japão(17,6%), México(20,4%), Turquia(23,5%), Estados Unidos(26,9%), Irlanda(28,3%), Suíça(29,4%), Canadá(32,2%) e Espanha(33%). Porém, acima do Brasil, estão Reino Unido(35,7%), Alemanha(36,4%), Portugal(36,5%), Luxemburgo(38,3%), Hungria(40,1%),Noruega(42,1%), França(43,1%), Itália(43,2%),Bélgica(44,3%), Suécia(47,15) e Dinamarca(48,3%). Portanto, segundo o estudo, a carga tributária, em tese, mostra uma estreita ligação ao perfil de países com maior ou menor grau de demanda social à população.

Um sistema tributário justo é aquele que tributa menos a produção e mais a renda. Todo o sistema tributário deve buscar um equilíbrio social entre capital e trabalho e procurar diminuir a tributação sobre consumo e salários, ampliando-se a tributação sobre o capital, especialmente a sua transmissão, as grandes fortunas e os ganhos financeiros.

No Brasil, não tão diferente dos demais países, há discussão de toda ordem, em função da alta carga tributária, do seu sistema tributário e, talvez, muito mais sobre o retorno de seus benefícios.

Entretanto, nos parece que a crítica de maior alcance advém dos agentes econômicos, deixando patente o efeito negativo que impede o desenvolvimento competitivo, e a eficácia das negociações brasileiras, visando a sua integração em blocos de comércio.

Por outro lado, não é menos verdade, que na discussão, de nosso sistema tributário, os maiores debates tem sido com os próprios segmentos econômicos, deixando de lado da discussão os demais setores envolvidos, ou seja, a grande massa da sociedade laborativa. Até porque o debate é travado mais sobre a ótica econômica do que a social.

Entretanto, nada ou muito pouco é tributado em relação aos fabulosos lucros das grandes empresas, pois todo tipo de tributação recai sobre o preço final do produto, ou seja, em quem compra(na pessoa de carne e osso).

Porém, seguindo alguns princípios de direito e de justiça, até mesmo de igualdade, o princípio da Capacidade Contributiva existe, não somente para proteger o cidadão contra os abusos do poder do Estado, mas para a busca de uma tributação mais igualitária e mais justa.

E este princípio, qualquer que seja ele, está intimamente ligado ao modelo de Estado: a forma de ser financiado, os serviços públicos que serão prestados, quem se utiliza dos serviços públicos, como se distribuem pela Federação a responsabilidade pelos serviços e a repartição tributária, os setores sociais que responderão pelos tributos, o objeto da tributação, os incentivos tributários, além da própria administração tributária e sua hierarquização. Portanto, definir sobre quem, direta ou indiretamente, recaem esses encargos correspondem opções políticas, que podem resultar em concentração ou distribuição de renda, privilégio a setores e agentes econômicos, ampliar ou diminuir as desigualdades regionais, e ainda servir de instrumento para o desenvolvimento social e econômico.

2- A Seguridade Social e seus efeitos

O processo constituinte, nascido em 1988, produziu grandes avanços no campo social. Entre eles, citamos o da Seguridade Social. Seu conceito: “um conjunto de ações destinadas a assegurar direitos relativos à saúde, previdência e assistência social”; os princípios e a identificação com a cidadania, com uniformidade, equidade e universalidade; e o seu Orçamento próprio (o principal instrumento de efetivação desses direitos, com pluralidade de fontes de financiamento e programações de despesas dos órgãos responsáveis pela prestação dessas funções públicas).

Daí o financiamento dessas ações ser definido como um encargo da sociedade em seu conjunto e os riscos cobertos não como mera contrapartida de contribuição individual, mas como obrigações assumidas pela Seguridade Pública, enquanto instrumento de política social.Estudos sobre a análise do Orçamento da Seguridade Social, anualmente divulgado pela ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil), revelam que a receita vem superando em todos os anos as despesas, saldos esses que podem ampliar as ações de todo o sistema de Seguridade Social.

Somente em 2009 foram R$ 32,60 bilhões de superávit (Anfip, Análise da Seguridade Social, 2009 –www.anfip.org.br). Aliás, a análise das ações da Seguridade Social é muito importante para a compreensão do papel dos principais programas da construção do mercado interno brasileiro na mobilidade social determinada pela redução brutal da miséria e no aumento significativo dos setores da classe média.

Mesmo com seus recursos alocados para outros fins que não da Seguridade Social, além da Desvinculação de Receitas da União – DRU, instrumento que retira de sua receita vultosa quantia de recursos e que deveria fazer parte de seu orçamento e das diversas renúncias praticadas, com impacto direto nas receitas, suas ações tem superado em muito, inclusive para fazer face ao enfrentamento da crise.

Assim, constata-se que o processo constituinte produziu grandes avanços no campo social. Mas, é imprescindível que esse processo seja mais transparente, principalmente quanto à segregação dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, onde a sociedade possa analisar com mais detalhes os fluxos financeiros e de programações de despesas entre esses orçamentos.

A defesa da Seguridade Social, do seu Orçamento e a preservação de suas fontes exclusivas de financiamento é dever de todas as entidades e setores organizados da nossa sociedade que lutam pelos direitos sociais, principalmente quanto à proposta de Reforma Tributária, atualmente no congresso.

Além de não avançar rumo à desejável e necessária justiça tributária, subtrai da Seguridade a exclusividade de parte de suas receitas e a pluralidade de suas fontes de financiamento, representadas pela existência das contribuições sociais sobre o lucro e o faturamento.

Implementar reformas que desconstituam a Seguridade pode ser o primeiro passo para a retomada do discurso em defesa da necessária reforma da previdência.Aliás, a Reforma da Previdência tornou-se uma questão recorrente e, portanto, considerada a “salvação da pátria” para muitos, independente dos sacrifícios necessários à determinada classe de trabalhadores, mesmo que seja a parcela do menor poder aquisitivo.

3- A desoneração da Folha de Salários

Dentro da proposta da Reforma Tributária (PEC 233) está inclusa a redução da alíquota de contribuição patronal à Previdência, que hoje é de 20% sobre a folha de salário. A alíquota seria reduzida em um ponto percentual por ano a partir de 2010 e, em 2015, chegaria a 14%. Com isso, o governo abriria mão de cerca de R$ 24 bilhões e atenderia a uma reivindicação antiga dos empresários.

Sem entrar no mérito das outras rubricas, em face do espaço, analisemos esta proposta, essência deste artigo.Diversas e variadas opiniões cercam o assunto e, pelo menos um ponto vem sendo questionado, por diversos especialistas, o que poderá haver aumento da carga tributária, para compensar o que seria desonerado.

A questão da flexibilidade da cota patronal previdenciária vem sendo motivo de intenso debate entre os tributaristas e em círculos empresariais e parlamentares, além da pressão das entidades de trabalhadores, os quais temem pelo futuro incerto de seus direitos previdenciários.

A importância dessa matéria se justifica pela controvérsia em torno da relação que se estabelece entre a redução de custo e a geração de empregos, ou seja, até que ponto a desoneração da folha das empresas possibilitaria o crescimento do mercado formal e, conseqüentemente, a recuperação da receita previdenciária, com a expansão da cobertura do sistema.

Aliás, não se tem bons exemplos, em outros países, de que a redução da alíquota incidente da folha de salário tenha resultado em aumento do número de empregos, simplesmente. Portanto, não existe consenso na experiência internacional de que a redução dos custos trabalhistas implicará em aumento de empregos ou melhoria do desempenho da economia.

O aumento de empregos, tal como aconteceu nos últimos anos, gerando em torno de 13 milhões de carteiras assinadas, de 2004 a 2009, apesar da crise, foi em função da aplicação do modelo de desenvolvimento social e econômico.

Mesmo assim, o Brasil, seguindo a tendência mundial, busca novas formas de financiamento da Previdência Social, o que não deveria, pois, seu sistema de Seguridade Social foi sempre equilibrado. Aliás, até o seu subsistema previdenciário contributivo urbano está superavitário, o que demonstra, como sempre foi afirmado, por diversas especialistas, que basta que haja o crescimento da economia para que a previdência possa ser equilibrada.

Porém, é preciso nessa discussão analisar os encargos que compõe o custo da mão-de-obra, além da contribuição previdenciária (22%), as outras contribuições sociais, tais como: FGTS (8%), Salário-Educação (2,5%), INCRA (0,2% a 2,5%), todo o sistema “S” (5,8%), sem falar na remuneração paga diretamente ao trabalhador, como as férias, décimo terceiro e descanso semanal.

Discutir essas contribuições é fundamental, para que tenhamos uma visão, não só de toda a oneração do custo da mão-de-obra, mas identificar quais delas são prioritárias para a sociedade como um todo e/ou que possam ter outras formas de receitas, para fazer face suas ações.

Na esteira da Previdência Social a Emenda Constitucional nº 47, de 2005, alterou o parágrafo 9o, do art. 195 da CF, possibilitando a tributação diferenciada em razão de alguns critérios e com objetivo de desonerar a folha de pagamento:

“§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho“.

Com base neste dispositivo nasceram as Leis Complementares 123 e 128, o chamado Simples Nacional, onde foi significativo o número de adesão a esse sistema, totalizando hoje mais de três (3) milhões de empresas, embora o impacto das receitas não tenha sido nas mesmas proporções.

Mesmo com o sucesso de adesão do sistema Simples, é por demais arriscado sugerir que deva existir uma única fonte de financiamento e aceitar a transferência de impostos para atender as políticas sociais, o que pode, simplesmente, tornar inviável um dos mecanismos mais poderosos que possam existir para a redução das disparidades.

É importante esclarecer que o elevado nível de encargos sociais (se é que existe) sobre a folha salarial é devido à necessidade de garantir um nível de rendimentos, ao segurado, próximo ao auferido durante a vida laboral ativa, sem falar, é claro, no redutor que o Fator Previdenciário produz.

4- Proposta de Faturamento Líquido

É interessante observar que proposta de reforma alguma analisa se o peso de salários e encargos em relação ao PIB é inadequado. As propostas continuam presas à idéia de que é preciso dar mais estímulos aos empresários para investir, sem considerar a fragilidade da demanda efetiva observada na economia.

Talvez a mais consistente reforma fosse a de promover mudanças na tributação de renda e propriedade que diminuam a grande disparidade social que nos coloca entre um dos países mais desiguais do mundo.

Porém, dentro do atual modelo econômico brasileiro, exigir que as contribuições sobre a folha de salários arquem com a integralidade das despesas com benefícios (previdenciários urbanos e rurais) oneram demasiadamente as obrigações sociais das empresas e tornam o emprego formal desestimulador, pelo porte dos encargos de que se trata e pela desproporção entre a contribuição do empregado e a do contribuinte individual.

Em pior situação estariam às empresas que se utilizam de mão-de-obra intensiva. Ampliando sua carga tributária, o modelo estaria induzindo à redução dos postos de trabalho e agravando ainda mais a situação da Previdência.

Por outro lado, mesmo com um saldo bastante positivo, a diversificação de fontes de financiamento da Seguridade Social (faturamento/receita, lucro líquido e folha de salários), a cargo da empresa, determinada no texto constitucional está a exigir um processo contínuo e permanente de correlação entre as contribuições sociais derivadas nessas fontes, objetivando um equilíbrio gradativo desses encargos, visando não prejudicar a necessária automação das empresas nem punir aquelas que utilizem intensivamente mão-de-obra.

videntemente, um maior gerenciamento nas ações arrecadadoras, inibindo a evasão fiscal, tanto no setor informal, quanto no formal, fazendo com que todos os contribuintes em potencial se conscientizem, da chamada “solidariedade contributiva”, é urgente e necessário.

Medidas que possibilitem o desenvolvimento sustentado, com crescimento econômico e social (como já dito), com política de pleno emprego, principalmente, dirigido à infra-estrutura, saúde, educação, saneamento básico etc, são também prementes.

Neste sentido, no bojo da atual discussão sobre desoneração da folha de salários para o financiamento da Previdência Social, sugerimos a Contribuição Social sobre o Faturamento Líquido, entendido este como a diferença entre o Faturamento Bruto e o valor da folha de salários que serve de base à contribuição previdenciária.

Essa proposta, caso implantada, permitiria no curso de um período não muito longo, fruto da experiência observada, caminhar paulatinamente no progressivo aumento da contribuição sobre o faturamento, diminuindo-se, ainda que proporcional o encargo sobre a folha de salários, uma vez que dificilmente, poder-se-ia pensar na sua desoneração total.

Nesta hipótese, haveria favorecimento à formalização da mão-de-obra, sem, entretanto, desestimular as empresas que investem em modernização, objetivando melhoria dos níveis de competitividade.

No mesmo sentido, poder-se-ia simular novos cenários vinculando a outro tributo que venha substituir a COFINS/CSLL, sempre com o objetivo de incentivar o processo produtivo. O foco é privilegiar as atividades econômicas intensivas em mão-de-obra, de tal maneira que o mercado formal seja preservado e intensificado e, para esse fim, evitar perdas de receita para o sistema.

Referida proposta é uma pequena colaboração, no sentido de provocar uma ampla discussão em torno do financiamento da Seguridade Social, da alta carga tributária, principalmente no atual modelo econômico, onde sua conseqüência é o privilegiamento das empresas com maior suporte tecnológico, maiores ganhos de escala, maiores lucros, e aquelas em que na composição final das receitas têm maior participação: as de origem financeira.

(1) Floriano José Martins - Vice Presidente para Assuntos de Seguridade Social – ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil)

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