O que é o humor? O que nos faz rir no humor? Vários filósofos tentaram responder a estas perguntas. Deixo aqui apenas um esboço de cada uma das três principais teorias filosóficas sobre a natureza do humor: a teoria da superioridade, a teoria da incongruência e a teoria da libertação.
Antes disso, uma nota: há filósofos que, em bom rigor, não falam do humor, mas do riso, que são coisas diferentes. Talvez não haja humor sem riso, mas há certamente riso sem humor, o que significa que o riso talvez seja uma condição necessária do humor, mas não suficiente. Por exemplo, podemos rir de alegria porque nos saiu a lotaria, o que não descreveríamos como uma situação humorística. De qualquer modo, muito do que se possa dizer acerca do riso também é aplicável ao humor.
A teoria da superioridade é a mais antiga. Começa a ser delineada por Platão e Aristóteles, mas é a Hobbes que costuma ser associada. Hobbes defende que o humor consiste na expressão de superioridade em relação ao objecto do nosso riso. A ideia é que o humor elege sempre alguma vítima ou aponta para algum defeito alheio, como é o caso das anedotas sexistas e racistas. Um exemplo disso são as anedotas sobre alentejanos, como a seguinte:
Sabes quantas vezes um alentejano se ri de uma anedota? Três vezes: a primeira é quando lha contam, a segunda é quando lha explicam e a terceira é quando a compreende.
Mesmo quando o humor, como frequentemente acontece, funciona como uma espécie de denúncia social ou política, se está a exprimir alguma forma de superioridade moral, intelectual ou outra.
Há várias objeções a esta teoria. Uma das mais fortes é que, se a teoria fosse verdadeira, não faria sentido rirmo-nos de nós próprios. Mas há humor em que nos rimos de nós próprios ou do grupo a que pertencemos.
A teoria da incongruência, associada a Kant e a Schopenhauer, defende que o riso é a expressão de uma incongruência percepcionada por aquele que ri. Isto acontece, por exemplo, quando somos surpreendidos com alguma impossibilidade lógica que tomamos como natural; ou quando somos tentados por ideias irrelevantes; ou quando são geradas expectativas que conduzem a um impasse; ou quando somos persuadidos a aceitar o que aparentemente é inaceitável. Uma boa ilustração é a anedota, bem conhecida entre filósofos, do amante adepto da teoria comportamentalista (ou behaviourista, como também se diz):
Depois de ter acabado de ter relações sexuais com a sua namorada, o comportamentalista diz: tu gostaste, e eu?
Uma objecção a esta teoria é que há incongruências que não são percepcionadas como humorísticas. Assim, a incongruência só por si não explica porque razão certas histórias ou situações são humorísticas.
A terceira teoria, a da libertação de tensão, é desenvolvida pelo filósofo evolucionista Herbert Spencer e sobretudo por Freud. Eles defendem que o humor é um escape libertador de tensão. Para Freud, o humor tem uma função muito semelhante à dos sonhos: libertar instintos e desejos sexuais e agressivos socialmente reprovados e reprimidos. Assim, a tensão gerada pela repressão social desses instintos é simbolicamente libertada através das piadas e anedotas. Daí o facto de as anedotas de cariz sexual serem tão populares:
- Então o meu caro amigo o que faz na vida?
- Olhe, trabalho onde os outros se divertem.
- O quê, num parque de diversões?
- Não só num, mas em vários: sou ginecologista.
Freud admite que há outro tipo de piadas, que dependem apenas da técnica como são construídas ou apresentadas. Mas chama "inocentes" a essas piadas, prestando-lhes pouca atenção.
A teoria de Freud parece ser refutada pelos factos. De acordo com Freud, as pessoas que gastam mais energias a reprimir os seus instintos e desejos agressivos e sexuais seriam as que mais deviam rir com as anedotas. Contudo, há investigações empíricas que apontam precisamente no sentido contrário: as pessoas com uma educação mais austera e punitiva em termos sexuais não são os que mais sentido de humor costumam ter.
Será que há mesmo uma essência ou natureza do humor?
Publicado por Aires Almeida no blog criticanarede.com
Publicado por Aires Almeida no blog criticanarede.com
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