O texto de Helena Pereira de Melo, professora na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, aborda os desafios que a Nanotecnologia coloca ao Direito:
Se partirmos da definição de Nanotecnologia dada pela Comissão Europeia, como “a ciência e a tecnologia à escala nanométrica dos átomos e das moléculas e os princípios científicos e as novas propriedades que podem ser compreendidos e dominados ao trabalhar neste domínio” [1], a questão mais importante que se coloca é a de saber se o tamanho constitui critério de regulação jurídica. A resposta é afirmativa: o legislador apela a este critério quer para regular coisas inanimadas (por exemplo, a Lua, que é considerada insusceptível de apropriação individual ou nacional) quer animadas (v.g., as crias, qualificadas como bens móveis do proprietário do animal que as deu à luz). De igual modo o genoma humano, como conjunto de moléculas de DNA situadas no interior de cada uma das células humanas, é considerado uma coisa fora do comércio. E a criança, enquanto se encontra em crescimento, é objecto de especial protecção jurídica.
Terá o tamanho reduzido apresentada por alguns produtos da Nanotecnologia consequências na regulação da produção e utilização destes? A resposta a esta questão supõe a análise das diferentes aplicações desta Little Big Science [2].
A nível da Medicina, a Nanotecnologia ao permitir a criação de novos materiais de Engenharia Tecidular, esbate a fronteira entre a “natureza” humana e não humana, suscitando-se o problema de saber se a alteração do substracto biológico do ser humano se reflectirá no conceito jurídico de pessoa, ou qual o estatuto jurídico a atribuir a um ser portador de genes humanos/não humanos/inorgânicos.
No entanto, na generalidade dos casos, o recurso à Nanotecnologia traduzir-se-á na prática de actos médicos preventivos ou curativos regulados pelas "leges artis" e pelo Direito existente na matéria, nomeadamente pelas normas contidas na Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, aberta à assinatura dos Estados Membros do Conselho da Europa, em Abril de 1997. De igual modo se poderá recorrer às normas disponíveis sobre ensaios clínicos, em cuja aplicação sempre se terá de atender ao primado do interesse do indivíduo sobre o da ciência ou da sociedade.
Situando-nos já não no plano da saúde individual, mas sim no da saúde pública, será importante prevenir e controlar o aparecimento de focos de infecção e de intoxicação originados pelos produtos de Nanotecnologia, bem como controlar os riscos para o ambiente inerentes à dispersão de nanopartículas libertadas no ambiente. Importante, neste plano, é que a criação de nanoprodutos obedeça ao princípio da precaução consagrado na Convenção sobre Diversidade Biológica [3] e contribua para garantir essa mesma diversidade.
A exposição a produtos de Nanotecnologia pode também apresentar riscos para a saúde e segurança dos trabalhadores, aplicando-se na matéria as normas da União Europeia de protecção contra os riscos associados à exposição a agentes químicos, biológicos e físicos durante o trabalho. Outro grupo cuja segurança e saúde terão de ser protegidas é o dos consumidores, devendo a colocação no mercado dos produtos de Nanotecnologia obedecer às regras contidas na Directiva 2001/95/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Dezembro, relativa à segurança geral dos produtos.
É também importante impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar dos indivíduos tornado possível pela nanovigilância. Pode-se, para o efeito, recorrer às normas que protegem, no plano do Direito Interno e Internacional, o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar.
Para incentivar os investimentos em Nanotecnologia há que proceder à protecção das invenções nanotecnológicas, possível, por exemplo, pela aplicação da Directiva 98/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Julho, relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas.
As normas vigentes permitem regular muitas aplicações da Nanotecnologia. Podem, no entanto, revelar-se insuficientes sendo conveniente revê-las ou regulamentá-las. O Direito a fazer terá de obedecer ao princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana e que encontrar o equilíbrio possível entre a liberdade de investigação científica e o respeito pelos direitos fundamentais do indivíduo.
A construção da matéria átomo a átomo não é juridicamente “boa” ou “má” – as aplicações que dela fizermos é que o poderão ser, competindo ao legislador decidir de entre o que é tecnicamente exequível o que é juridicamente “aceitável”.
NOTAS:
[1] COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (2004), Comunicação da Comissão para uma Estratégia Europeia sobre Nanotecnologias, Bruxelas: Comissão das Comunidades Europeias, p. 4.
[2] Título do artigo de gary stix publicado in Understanding Nanotechnology (coord.: Sandy Fritz), 2002, New York: Warner Books, pp. 6 e seguintes.
[3] Cf. o art. 8.º, al. g), da Convenção sobre a Diversidade Biológica, aberta à assinatura em 5 de Junho de 1992, e aprovada, para ratificação, pelo Decreto n.º 21/93, de 21 de Junho.Helena Pereira de Melohelena.melo@fd.unl.pt