sábado, 30 de janeiro de 2010

A ética e o problema das organizações



Os problemas organizacionais que se colocam hoje, acabam por ser problemas mais de ordem ética do que de ordem técnica. Neste contexto, a dignidade e o próprio valor das pessoas ficam vinculados a resultados de mal-entendidos, que alimentam um eterno diálogo de surdos, que mantém o debate enterrado em atoleiros.


A situação piora um tanto mais quando o problema em questão passa para a esfera política ou religiosa, na medida em que as partes ignoram o livre arbítrio que possuem, para buscar a solução via transferência de responsabilidade, em uma nova esfera com ausência de delimitação de fronteira, onde se amplia a conotação das intrigas.

Assim, as decisões organizacionais acabam ocorrendo mais por estados mentais de causalidade do que pela abordagem racional dos acontecimentos reais, na mediada em que a narrativa quando abdica da verdade, passa a se desenvolver na perspectiva de terceira pessoa e não das partes interessadas.

E, como a ética não é um componente nato das pessoas, aqueles que não a possuem, acabam encontrando nas organizações, um campo fértil para plantar as sementes da discórdia, da intolerância, da irracionalidade, entre tantas outras já diagnosticadas na maioria das disfunções burocráticas.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Direito ao voto e democracia plena


GEORGE ORWELL
"É perfeitamente óbvio que a nossa conversa de “defesa da democracia” não tem sentido enquanto for um mero acidente de nascimento que decide se uma criança dotada terá ou não a educação que merece."
EU...
É perfeitamente óbvio que a nossa conversa de "democracia plena" não tem sentido enquanto for uma mera opção profissional que decide quem poderá ditar o futuro de uma organização, que tem sobre sua responsabilidade a proteção do regime democrático.


Humor

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Para denunciar uma mentira


Para o filósofo Desidério Murcho, a obra ensaística de George Orwell é de extrema atualidade. Infelizmente, muitas pessoas parecem desconhecer o seu ensaísmo, pensando por isso que se trata apenas de um novelista relativamente menor, que escreveu duas parábolas memoráveis, Animal Farm (1945) e Mil Novecentos e Oitenta e Quatro (1949), além de Homenagem à Catalunha (1938), que narra as suas experiências na guerra civil espanhola.
O ensaísmo de George Orwell, pseudônimo literário de Eric Arthur Blair (1903-1950), é um caso raro de sofisticação intelectual, sem deixar contudo de ser firmemente popular: os seus ensaios não foram publicados em revistas acadêmicas, mas sim na imprensa popular. E envergonham muitos artigos das revistas acadêmicas pela precisão da linguagem, sofisticação do pensamento e originalidade de posições. Na verdade, um dos traços emblemáticos de Orwell é a recusa em deixar-se levar pelos preconceitos do seu tempo — pelo pensamento já mastigado e pronto a usar, a que tantos intelectuais, nas universidades e na imprensa popular, deitam mão. A lucidez e a sinceridade são marcas de Orwell que cativam qualquer leitor preocupado com a descoberta da verdade das coisas. Num dos últimos artigos que publicou antes de morrer, "Reflexões sobre Gandhi" (1949), Orwell começa por afirmar que "Os santos devem sempre ser considerados culpados até se provar que são inocentes". Esta surpreendente declaração é o princípio de uma análise das ideias e da actuação política de Gandhi, análise que prima pela procura da verdade. Orwell parte da ideia de que quando um político surge como um santo, sincero e absolutamente honesto, algo de profundamente errado pode estar a acontecer — porque estas são armas retóricas que funcionam demasiado bem junto do povo para podermos aceitá-las sem desconfiança. Mas no decorrer da sua análise Orwell conclui, contra a sua expectativa inicial, que Gandhi é realmente um grande estadista, que deixa atrás de si uma atmosfera política mais límpida.
Orwell expôs-se com uma sinceridade rara ao olhar público, e concentrou como ninguém a atenção no exterior — e não em si mesmo e na sua promoção. Nunca teve gestos que visassem o auto-engrandecimento, como tantos ensaístas vaidosos, talvez em parte porque sempre esteve demasiado ocupado a tentar melhorar o mundo da política com a arma da palavra escrita. A sua sinceridade é particularmente manifesta no ensaio "Por Que Escrevo", de 1946, no qual confessa a vaidade de ver as suas palavras impressas, e que todo o escritor é parcialmente vaidoso. Mas explica também a motivação descentrada que o faz escrever: a preocupação com a verdade e a justiça. "Escrevo porque há uma mentira qualquer que quero denunciar", declara Orwell numa passagem memorável.
No célebre ensaio "Política e a Língua Inglesa" (1946), Orwell desmascara com implacável lucidez a manipulação política que ocorre na escrita lamacenta, obscura, desnecessariamente complicada. Mas mostra também como o uso de uma linguagem com lugares-comuns e metáforas agonizantes denuncia a falta de pensamento do autor, que se limita a reafirmar os preconceitos do seu tempo, sem parar por instantes para se perguntar se tais preconceitos serão realmente defensáveis. O espírito de manada é um dos grandes pecadilhos da humanidade e Orwell um dos seus mais elegantes antídotos. Ao fazer uma lista de seis regras para escrever de modo lúcido, Orwell revela a sua lucidez na última das regras: "Viole qualquer destas regras de preferência a dizer algo obviamente bárbaro". O pensamento de Orwell dá uma prioridade tal à realidade que não se deixa render a regras automáticas que podem sempre falhar em casos concretos.
Numa recensão do livro O Poder: Uma Nova Análise Social, de Bertrand Russell, Orwell começa por declarar que "descemos a um ponto tal que a reafirmação do óbvio é o primeiro dever dos homens inteligentes". Efetivamente, a defesa lúcida e rigorosa da justiça e da verdade parece insípida quando se desceu a um ponto tal de confusão mental que só declarações tonitruantes, e parvas, parecem atrair as atenções. A este respeito, não estamos hoje melhor do que no tempo de Orwell, e estamos talvez pior. Alguns pensadores pretensamente libertários no nosso tempo têm um pensamento em tudo semelhante ao pensamento nazi, mas nem se apercebem disso. Ao elevar a identidade comunitária acima da racionalidade, ao desprezar a verdade e ao defender que toda a argumentação é manipulação, fazem o serviço dos que sempre defenderam os privilégios, a tradição e a autoridade, contra os valores iluministas da razão e da verdade.
Orwell foi um dos primeiros intelectuais de tendência socialista a denunciar o regime soviético. Quando alguns intelectuais defendiam ainda a gloriosa revolução do proletariado, Orwell viu com incrível lucidez o tipo de regime totalitário, inimigo da liberdade e da justiça, que as ideias de Marx inspiravam. E este é outro dos traços distintivos de Orwell: nunca trocou as voltas à realidade para tentar encaixá-la nas suas ideias políticas. Neste sentido, Orwell foi um ensaísta anti-ideológico, pois o pensamento ideológico, marxista ou mercantilista, caracteriza-se por distorcer a realidade para que possa bater certo com as ideias, e é indiferente às consequências concretas que resultam da aplicação das suas teorias preferidas. Compare-se isto com o ensaísmo contemporâneo, em que tantas vezes nem vale a pena ler os artigos dos mais conhecidos ensaístas porque já sabemos de antemão o que vão dizer, pois tudo distorcem para fazer encaixar a realidade na sua ideologia preferida. Orwell era socialista não no sentido de defender qualquer corpo de dogmas, mas no sentido de defender a dignidade das pessoas, a justiça, a verdade e a liberdade.
Mais surpreendente poderá ser para alguns leitores deste blog a lucidez da sua compreensão da ciência — e do disparatado uso retórico que se faz da palavra "ciência". No ensaio "O Que é a Ciência?" (1945), Orwell começa por distinguir lucidamente dois sentidos da palavra: o sentido experimental restrito, que aponta apenas para os resultados de ciências como a química ou a física. Neste sentido da palavra, pensamos num cientista como alguém com uma bata branca a fazer experiências num laboratório. Noutro sentido, a palavra quer dizer algo como um método de pensar criticamente sobre qualquer problema. É neste sentido que a ciência é realmente importante, e não tanto no primeiro, mas a confusão de ambos os sentidos tem um efeito perverso no ensino: Orwell defende que no segundo sentido da palavra precisamos de mais ciência no ensino, mas que geralmente os políticos entendem que mais ciência no ensino é mais ciência no primeiro sentido da palavra. E o argumento de Orwell é que uma besta ignara, sabendo todavia muitos fatos científicos, continuará a ser uma besta ignara se desconhecer a filosofia, a literatura, a história ou a sociologia.
A Antígona está a proceder à edição das obras de Orwell. Publicadas estão já Recordando a Guerra de Espanha, Na Penúria em Paris e em Londres, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, O Caminho para Wigan Pier e Homenagem à Catalunha. Anuncia ainda para breve uma recolha de alguns ensaios, assim como um importante estudo do seu pensamento político, da autoria de John Newsinger, Orwell's Politics. Para quem lê inglês, há uma edição deliciosa e barata da Everyman Library, organizada e prefaciada por John Carey, que contém todos os seus ensaios.
Texto de Desidério Murcho – Rerum Natura

sábado, 16 de janeiro de 2010

Legislação Imoral e Corrupção



Uma nova forma sutil de corrupção vinculada á legalidade encontra no dias atuais campo vasto para se expandir, principalmente em ambientes corporativos.
Esta nova forma de corrupção se utiliza da lei para dar contornos de legalidade para atos imorais, tendo como pressuposto a crença de que atos jurídicos legais não podem sofrer qualquer tipo de questionamento.
Este tipo de raciocínio desconsidera que no campo do conhecimento, o sujeito é produto de sua consciência, e que sua conduta está relacionada com a parte racional do saber, que determina surgimento do conceito de dever.
Qual é o dever de um cidadão racional e moral frente a uma lei imoral? Como agir, se a vontade humana está sujeita não só a razão, mas também as suas inclinações. E é exatamente por essa razão que as leis morais são chamadas de deveres, que não se pode exigir coercitivamente.
Podemos considerar a ação moral como apenas o respeito à lei, ou ela está submetida também ao cumprimento do dever, que nossa consciência construiu como um querer próprio necessário em um mundo inteligível e sensível, que procura a retidão na Justiça, em termos de resgatar o que realmente é justo.
A corrupção acompanhada de legalidade trabalha alterando o conceito do que é justo, ao agregar vantagens indevidas para atividades diárias da Administração Pública, que no decorrer do exercício financeiro, nos últimos anos tem provocado uma crescente sangria nos cofres públicos.
Este tipo de delito moral ocorre quando corruptos se apoderam de valores de diárias, fixadas em lei que extrapolam aqueles valores efetivamente necessários para os gastos com hospedagem e alimentação. Estes corruptos agem de forma continuada, se apropriando de pontuações de trechos aéreos, que deveriam ser da repartição pública que efetivou o pagamento da passagem aérea.

Nada justifica o pagamento de auxílio moradia para quem já possui moradia na comarca em que trabalha. Mesmo a lei dizendo que posssui direito, a moralidade administrativa impõe enquanto princípio constitucional, que esse tipo de pagamento também esteja circunscrito no âmbito da moral. Assim, a corrupção ocorre quando se tapa um olho para princípios que regem a área pública, para benefício de interesses privados.

Os exemplos podem ser encontrados em todas as questões financeiras que envolvem o que é justo. A bondade da lei quando não circunscrita ao interesse público, pode ser uma porta aberta para a prática de corrupção revestida de legalidade.

Ser coerente refere-se a uma relação de mim comigo mesmo, nada justificando que uma fonte jurídica formal viciada, passe a ditar a consciência de pessoas que se dizem justas ou perfeitas.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Investigação Científica


Uma proposta de Norberto Pires - Rerum Natura, que pode ser aplicada para a situação brasileira.

As PME (Pequenas e Médias Empresas), que representam 90% do nosso tecido industrial e sensivelmente a mesma percentagem do emprego, não têm capacidade financeira, nem de recursos humanos, para fazer investimento de longo prazo em I&D e muito menos de suportar I&D de risco. Na verdade, o I&D de risco é muito importante porque permite avanços significativos, em caso de sucesso na investigação, e produtos que podem ser diferenciadores no mercado. O problema é que empresas pequenas, sem cultura de investimento em I&D, não o podem fazer.

É aqui que entra o Estado e a política de I&D nacional. Um governo tem de ter uma ação concertada no apoio às empresas (o que significa apoio às PME porque, de fato, elas são a economia) e no apoio ao seu desenvolvimento. Eis algumas coisas aparentemente simples, mas que se tornam complicadas em Portugal. O Estado tem de:

1. Pagar a tempo e horas.

2. Incentivar a exportação, reduzindo impostos de forma significativa a empresas exportadoras. Isto tem de ser um imperativo nacional.

3. Incentivar a contratação efetiva de pessoas com formação superior, reduzindo os impostos às empresas que o fazem. Isto é apostar no futuro.E, em termos de I&D, tem de:

4. Fomentar o aparecimento de novas empresas que resultem da I&D efetuado em Universidades e Centros de Investigação: incubação de ideias e empresas, apoio no desenvolvimento de projetos, aceleração de empresas e apoio a parques de ciência e tecnologia.

5. Incentivar a relação entre empresas e as instituições de I&D portuguesas, apoiando de forma efetiva projetos de I&D em consórcio que tenham em mente resultados de médio e longo prazo: apoiar significa investir, colocar dinheiro em projetos em consórcio cujo valor científico tenha avaliação internacional. Só as Universidades e Centros de I&D podem apoiar o I&D de risco, tendo por base fórmulas de financiamento que incluem uma parte pública nacional (via FCT), uma parte pública internacional (via União Europeia) e uma parte privada (das empresas).

6. Definir com clareza as áreas prioritárias para o país, canalizando para essas áreas o investimento público em I&D. Não é possível que um país tão pequeno como Portugal disperse o pouco dinheiro que tem por todas as áreas científicas. Não pode, não faz sentido. Tem de ter a coragem e a clarividência de definir prioridades, concentrando uma percentagem significativa do seu investimento nessas áreas. Ou seja, o investimento tem de ser estratificado por prioridades. É uma questão de gestão de recursos. Aliás, a União Europeia (UE) faz isso mesmo com os seus programas-quadro. Define uma agenda de I&D e abre concursos somente nas áreas que definiu.

7. Apoiar efectivamente a presença dos grupos de I&D portugueses nos programas-quadro da UE, complementando assim o financiamento nacional e equilibrando o investimento nas áreas não prioritárias que não obtiveram financiamento nacional. Verifica-se um menor sucesso nacional em projectos europeus. Isso significa que Portugal tem de ter uma presença efetiva nos centros de decisão, nas várias unidades de I&D da UE, com capacidade de influência e de apoio na elaboração e acompanhamento de candidaturas. A noção que tenho, depois de vários projetos europeus que tive aprovados, é que o apoio nacional é muito incipiente.

Em vez de gastar rios de dinheiro em obras públicas (estilo TGV), que beneficiam essencialmente empresas de fora do país (fornecedoras de tecnologia), dão emprego a pessoas pouco qualificadas e essencialmente constituídas por emigrantes (nada contra, mas não é, penso eu, prioridade do país dar emprego a emigrantes), e são investimentos sem retorno, faria todo o sentido investir na "alta velocidade" que é criar condições para tirar partido dos Portugueses: das suas instituições de I&D (muito boas e preparadas), dos projectos em consórcio (como forma de fazer avançar as empresas com I&D de risco) e do investimento nas pessoas com formação superior (a melhor forma de transferência de conhecimento entre as Universidades e a sociedade). Isso significa perceber que temos de contar connosco próprios e com aquilo que formos capazes de aprender e construir.

Mas isso coloca o foco na necessidade de planear e definir objetivos nacionais, uma coisa complicada num país que não gosta de planear e muito menos de avaliar.My two cents...