sábado, 3 de outubro de 2009

Está tudo ligado


Helena Damião (Rerum Natura) destaca o extrato do livro Está tudo ligado: o poder da música, do autor, Daniel Barenboim, que liga a política e a música em seu título. E qual é o elemento que nestas atividades permite estabelecer a ligação? O pensamento livre no sentido que Espinosa lhe deu e que só a educação permite concretizar.


"A democracia é uma ideia que nasceu na Grécia há milhares de anos. Ao longo dos séculos e milénios, a ideia original perdeu-se, como provam as manifestações contemporâneas do processo democrático. Na Grécia antiga, só os Sábios da sociedade podiam votar e determinar o curso da ação do governo em prol do bem público. Hoje em dia temos o direito de voto universal, e muito bem, mas negamos aos votantes a oportunidade de uma educação completa. O mundo político dos nossos dias só é moderno nas suas manifestações exteriores; a tecnologia veio tornar a comunicação muito mais eficiente, o que, infelizmente, resultou numa exploração e manipulação da população que não teve educação. Na nossa sociedade, o eleitor médio não é versado em nenhuma das artes ou ciências – que eram, no pensamento grego, absolutamente essenciais para qualquer compreensão do que é governar – e não é capaz de pensar para além do presente e do futuro imediato para compreender cabalmente as consequências da ação política. O resultado é uma sociedade duplamente pobre, em que os políticos são obrigados a agir tacitamente em vez de estrategicamente para continuar no poder o tempo suficiente para fazer algumas mudanças, e a opinião pública é ignorante no que toca às questões mais essenciais.


Um dos aspectos mais importantes do pensamento político é a faculdade de usar a estratégia para alterar o estado de coisas, um pouco à semelhança de um compositor que estrategicamente constrói a sua composição, começando por apresentar o material e só depois o transformando. Também um executante tem de ser capaz de ouvir a última nota de uma peça no seu ouvido interno antes tocar a primeira; para isso tem de criar a sua própria realização física da partitura – termo que prefiro a interpretação, palavra de que se usa e abusa – em moldes estratégicos e não tácitos, agindo em vez de reagir. A abordagem tácita está sempre sujeita à reação do executante aos elementos harmónicos, rítmicos e melódicos à medida que eles vão surgindo, e não pode resultar na construção de um todo orgânico feito de todos estes elementos. Só um executante que pensa estrategicamente é capaz de comunicar a estrutura de uma peça musical a quem o escuta, e não apenas os diferentes humores que ela contém.


Atingir a verdadeira liberdade e espontaneidade como executante é como alcançar o domínio dos nossos pensamentos, segundo os princípios de Espinosa. Tal como é fácil confundir o direito a pensar livremente com liberdade de pensamento, também é possível um executante sentir espontaneidade na sua execução quando a verdade é que está limitado pela tendência para reagir às incidências musicais à medida que elas ocorrem."


Referência bibliográfica:- Barenboim, D. (2009). Está tudo ligado: o poder da música. Lisboa: Bizâncio, páginas 61-62.

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