A preocupação dessas entidades representativas da sociedade civil, das organizações populares, dos movimentos sociais e dos sindicatos de trabalhadores é sobre a necessidade de esclarecer e de difundir as implicações sociais e políticas dessa reforma. Este enfoque rompe com uma visão voltada para os interesses dos grandes grupos empresariais e financeiros que até agora impera nesse debate.
A proposta de reforma tributária traz graves conseqüências ao financiamento das políticas sociais no Brasil, ameaçando de forma substancial as fontes exclusivas que dão suporte às políticas da Seguridade Social (Previdência, Saúde e Assistência Social), Educação e Trabalho. Em 2009, essas contribuições sociais, que serão extintas, deverão arrecadar 235 bilhões de reais. Estão em jogo as fontes de custeio, como também as prioridades para aplicação desses recursos: a garantia dos direitos sociais no Brasil ou os grandes interesses econômicos, especialmente o pagamento de juros e encargos da dívida.
Particularmente nas áreas da Seguridade Social, o Projeto de Reforma (oriundo do Executivo e já aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados) prejudicará ainda mais, em termos quantitativos e qualitativos, a capacidade de atendimento do Sistema Único de Saúde nas suas múltiplas funções (vigilância sanitária, consultas, internações, vacinações etc.); afetará diretamente a vida de 26 milhões de titulares de benefícios pagos pelo INSS Previdência e Assistência Social) e de cerca de 6 milhões de trabalhadores que recebem o Seguro Desemprego. Além desses credores de direitos protegidos pela Constituição (cujo piso de benefícios é de um salário mínimo), também são afetados os recursos das 11 milhões de famílias que participam do “Bolsa Família”. Em seu conjunto, são dezenas de milhões de pessoas que recebem até um salário mínimo com esses benefícios. A proposta de reforma inviabilizará qualquer expansão dos programas de Saúde, de Previdência ou de Assistência Social, comprometendo igualmente qualquer projeto de sociedade, social e economicamente mais justo.
Esse projeto, se aprovado na forma atual, subtrai recursos e quebra salvaguardas constitucionais de benefícios e programas sociais e serviços públicos, atualmente protegidos pelo art. 195 da Constituição Federal de 1988. Desconstruída a capacidade de financiamento da Seguridade Social, desmoronam a construção e a efetividade de direitos declarados em várias partes do texto constitucional.
O modelo de Seguridade Social construído a partir da Constituição de 1988 garante recursos e oferece outras salvaguardas para assegurar os direitos à Saúde, Previdência, Assistência Social e Seguro Desemprego. E, mesmo depois de várias reformas, ainda hoje preserva um fundamento básico: a prioridade para atender a demanda legítima por direitos sociais já regulamentados, requeridos pelos cidadãos. Isto se faz por meio de garantias orçamentárias, com recursos exclusivos e vinculados. Esse foi um compromisso social construído em 1988, para resgatar os princípios de equidade e de justiça social, subjacentes à idéia de cidadania, com proteção social aos mais pobres.
Com a filosofia da Emenda da Reforma Tributária, que se explicita claramente nessa nova versão do Art. 195, desaparecem as garantias e salvaguardas de proteção aos pobres e de busca da igualdade. Os recursos anteriormente reservados a essa finalidade são remetidos à competição entre setores sociais com peso e poder econômicos substancialmente maiores que os “órfãos, viúvas, desempregados, idosos e incapacitados para o trabalho”, credores preferenciais de todos os sistemas de proteção social no mundo moderno.
O projeto de reforma, sob o manto da simplificação tributária, extingue as contribuições sociais e incorpora esses recursos a impostos. A Seguridade Social perderia essas fontes vinculadas e de uso exclusivo, em troca da receita de uma fração da arrecadação desses novos impostos. Assim, as políticas sociais deixariam de contar com recursos exclusivos e passariam a disputar no bolo do orçamento fiscal recursos com os governadores e prefeitos, Forças Armadas e dos Poderes, enfrentando ainda forte pressão de setores empresariais pelo aumento dos gastos com investimentos em infra-estrutura ou por maior desoneração tributária. Além disso, 1/3 do orçamento fiscal é destinado ao pagamento de juros e amortização da dívida, que não passa por qualquer auditoria. Sem as contribuições sociais a prioridade de praticamente todos os gastos públicos fica nivelada. Não se pode tratar igualmente os desiguais, nem submeter todas as políticas ao jugo predominante dos interesses financeiros.
O constituinte, pela sua visão em prol da cidadania e da proteção social, criou o Orçamento da Seguridade Social. Financiado principalmente com as contribuições sociais, conta com recursos e capacidade de responder tempestivamente aos atuais direitos relativos à Saúde, Assistência e Previdência e ainda às pressões da demanda futura. Isto porque essas contribuições possuem vantagens e garantias que não estão presentes nos impostos. Todas essas vantagens se perderão. Hoje, por exemplo, se decidíssemos melhorar a Saúde ou ampliar o Seguro Desemprego, fazer inclusão previdenciária ou expandir o Programa “Bolsa Família” teríamos os recursos arrecadados pelas contribuições sociais, de uso exclusivo para esse fim. Se aprovada a reforma, os níveis de recursos estariam congelados, independentemente da demanda por direitos ou melhoria dos serviços. Diante do atual quadro de injustiça social não se pode fazer tal opção.
Como consequência da aprovação dessa reforma, aparecerão muitos elementos ruinosos aos direitos sociais, valendo citar: a) ao ficar dependendo de recursos de impostos, a Seguridade perde a possibilidade de rápida atenção às demandas (pois ao contrário das contribuições sociais, os impostos somente podem ser implementados ou majorados para o exercício seguinte); b) a fragilidade jurídica da reforma não garante a primazia dos direitos sociais; c) a manutenção de mecanismos de desvinculação de recursos: somente a DRU (Desvinculação de Recursos da União) subtraiu 39 bilhões de reais da Seguridade Social em 2008, para garantir a meta de superávit primário, ou seja, a reserva de recursos para o pagamento da dívida; d) com a perda dos recursos das contribuições, a Seguridade, hoje auto-suficiente, passará a depender de repasses do Orçamento Fiscal, dando razão aos que falsamente propagam o seu déficit, subterfúgio para justificar reformas restritivas de direitos.
Há outros efeitos da reforma igualmente prejudiciais: No que se refere à desoneração da folha de salários, por meio da redução da contribuição patronal para a Previdência Social, estimativas do Ministério da Fazenda indicam perda de cerca de R$ 24 bilhões nas receitas previdenciárias. Mesmo que o Orçamento da União supra essa perda, isto certamente fortalecerá o falso argumento de “déficit da Previdência”. Ocorre ainda a diminuição da tributação sobre o lucro dos bancos, que não estarão mais submetidos às alíquotas da contribuição sobre o lucro, maiores para o setor financeiro - o projeto incorpora essa contribuição ao imposto de renda, que não admite diferenciação por setor econômico.
Reconhecemos que a proposta de reforma tributária contém alguns objetivos positivos; mas permeada como está do joio de vícios que colocam em risco os direitos sociais, especialmente dos pobres, essa proposta requer madura reflexão da sociedade, do Congresso e do próprio Executivo que a gestou. Por todas essas razões, entendemos que o Projeto não pode tramitar nem deve ser submetido a voto, sem os esclarecimentos e correções necessários. Conclamamos toda a sociedade e, em especial, o Parlamento brasileiro para essa discussão
ABEPSS; ABRES; ABONG; ABRASCO; ABRES; AMB; AMPASA; ANAPAR; ANASPS; ANFIP; ANPG; Auditoria Cidadã da Dívida; Bamidelê; Campanha Nacional pelo Direito à Educação; CAPINA; Cáritas Brasileira; CCLF; CEBES; CEBRAPRAZ; CESIT; CENDHEC; CENTRAC ; IE-Unicamp; CFEMEA; CFESS; CMP; CNLB; CNS; CNTS; Coletivo Leila Diniz - Natal/RN; CONAM; Comissão Episcopal Pastoral da Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB; Comissão Episcopal Pastoral para o Laicato da CNBB; CNTI; CNTS; COBAP; CONASS; CORECON-RJ; CONSED; CONTAG; CRIOLA; CTB; CUT; FALA PRETA; FASE; FBO; Força Sindical; FPORJ; Frente de Deputados Federais; FST; Fundação ANFIP; GESST ; GOPSS da UERJ; Grupo de Teatro Loucas de Pedras Lilás – Recife/ PE; IDISA ; INESC; Instituto AMMA Psique e Negritude; Instituto Reage Brasil ; MAB ; Marcha Mundial de Mulheres; MST; MMC; NEPPOS da UnB ; NEPSAS da PUC/ SP; Nova Central Sindical de Trabalhadores ; Programa de Estudos da Esfera Pública da; EBAPE/FGV; Programa Justiça Econômica (Pastorais Sociais/CNBB, Grito do Excluídos/as Continental, Rede Jubileu Sul/Brasil, Comissão Brasileira de Justiça e Paz CBJP/ CNBB e CAFOD); Rede Social de Justiça e Direitos Humanos; SINAIT ; SOS Corpo, Gênero e Cidadania; UGT; UNDIME